Quando a endometriose deixa de responder ao tratamento clínico e passa a comprometer de forma significativa a rotina, a saúde e o bem-estar da mulher, a cirurgia surge como uma possibilidade terapêutica que precisa ser analisada com cuidado.
Mas, embora muitas pacientes associem o procedimento a uma solução definitiva, a cirurgia de endometriose faz parte de uma estratégia de cuidado mais ampla e deve ser indicada apenas em situações bem definidas. Além disso, ela não cura o problema, apenas trata os sintomas e complicações mais severos.
Por se tratar de uma doença crônica e de comportamento variável, nem todas as mulheres com endometriose precisarão ser operadas ao longo da vida. Em muitos casos, o controle dos sintomas pode ser alcançado com o tratamento hormonal adequado.
Isso torna ainda mais importante compreender em que contextos a cirurgia de endometriose realmente oferece benefícios, bem como os riscos e limitações do procedimento.
Em quais situações a cirurgia de endometriose é indicada
A cirurgia é indicada para casos de endometriose que não respondem bem às abordagens clínicas ou quando a doença gera lesões que afetam outros órgãos, principalmente pélvicos e abdominais.
Nessas situações, a cirurgia deixa de ser apenas uma opção para alívio da dor e passa a ser uma medida necessária para preservar o funcionamento do organismo.
De modo geral, a cirurgia costuma ser indicada quando:
A dor persiste apesar do uso correto de tratamento hormonal
Há envolvimento de estruturas como intestino, bexiga ou ureteres
Surgem complicações como obstrução intestinal ou dilatação dos rins
A doença interfere de forma significativa na qualidade de vida
Existe infertilidade associada a alterações anatômicas relevantes
A decisão deve sempre levar em conta a história clínica, a intensidade dos sintomas e os objetivos pessoais da paciente, evitando abordagens padronizadas.
O papel real da cirurgia no tratamento
Embora a cirurgia permita remover ou reduzir as lesões visíveis da endometriose, é fundamental compreender que ela não elimina a doença em si. Ou seja, não é uma cura definitiva para o problema.
Isso se deve ao fato de que a endometriose responde a estímulos hormonais e inflamatórios, além de existir uma predisposição genética para o desenvolvimento da doença. Assim, novas lesões podem surgir mesmo após um procedimento tecnicamente bem-sucedido.
Por essa razão, a cirurgia costuma ser seguida por tratamento clínico contínuo, com o objetivo de prolongar os benefícios alcançados e reduzir o risco de recorrência.
Ajustar expectativas faz parte do cuidado, já que o sucesso do tratamento não se mede apenas pela ausência total de dor, mas pela melhora funcional e pela qualidade de vida ao longo do tempo.
Como a cirurgia para endometriose é realizada?
Na maior parte dos casos, a cirurgia de endometriose é feita por laparoscopia, uma técnica minimamente invasiva que utiliza pequenas incisões no abdômen e uma câmera para visualização interna.
Essa abordagem permite maior precisão na identificação das lesões e recuperação mais rápida em comparação com cirurgias abertas.
Durante o procedimento, as lesões podem ser removidas ou tratadas conforme sua profundidade e localização. Em quadros de endometriose profunda, a cirurgia tende a ser mais longa e tecnicamente exigente, podendo envolver mais de um órgão.
Nessas situações, a atuação de uma equipe multidisciplinar é essencial para garantir segurança e bons resultados.
Por fim, em casos selecionados, quando a mulher já não pretende engravidar, pode ser realizada a retirada do útero, um procedimento conhecido como histerectomia.
Preparação antes do procedimento
O período que antecede a cirurgia é dedicado a uma avaliação cuidadosa da extensão das lesões e das condições gerais de saúde da paciente. Para isso, é necessária a realização de exames de imagem detalhados, avaliação clínica completa e consulta com a equipe anestésica.
Além dos aspectos técnicos, esse momento é fundamental para alinhar expectativas, discutir riscos e esclarecer dúvidas. O preparo pode incluir:
Adequação ou suspensão temporária de medicamentos
Orientações alimentares específicas
Realização de exames laboratoriais
Planejamento individualizado do procedimento, tendo em mente o desejo de ter filhos e outras questões individuais
Esse cuidado pré-operatório contribui para reduzir complicações e facilitar a recuperação.
O que acontece durante a cirurgia?
A cirurgia é realizada sob anestesia geral, e sua duração varia conforme a complexidade do caso.
Em situações mais simples, o procedimento pode ser relativamente curto, enquanto quadros de endometriose profunda exigem mais tempo, equipe cirúrgica que inclua outros especialistas, como urologistas e coloproctologistas, e planejamento detalhado.
Ao longo da cirurgia, o cirurgião busca tratar todas as lesões identificáveis, sempre equilibrando a remoção do tecido doente com a preservação das estruturas saudáveis.
Quando determinadas lesões oferecem risco elevado de complicações, a decisão pode ser deixá-las sob controle clínico, priorizando a segurança da paciente.
Recuperação e cuidados após a cirurgia
A recuperação após a cirurgia de endometriose depende da extensão do procedimento e dos órgãos envolvidos.
Em geral, cirurgias menos complexas permitem alta hospitalar rápida, enquanto casos mais avançados ou que envolvam múltiplos órgãos podem exigir internação prolongada.
Nos primeiros dias, é comum a presença de dor leve a moderada, inchaço abdominal e cansaço, sintomas que tendem a melhorar gradualmente. Durante o período de recuperação, costumam ser recomendados
Repouso relativo nas primeiras semanas, para minimizar desconfortos e poupar energia. Mas o repouso absoluto normalmente é contraindicado
Retorno progressivo às atividades diárias, de acordo com a melhora dos sintomas e com a orientação médica
Restrição temporária de esforços físicos intensos, como carregar peso
Acompanhamento médico regular, para acompanhar a evolução clínica
Resultados a médio e longo prazo
Muitas mulheres experimentam melhora importante da dor e da funcionalidade após a cirurgia, especialmente quando havia lesões profundas ou comprometimento de órgãos.
No entanto, a resposta ao tratamento varia, e a possibilidade de recorrência deve ser considerada.
O uso de tratamento hormonal após a cirurgia é frequentemente indicado para prolongar os benefícios do procedimento e reduzir o risco de aparecimento de novas lesões e do retorno dos sintomas.
Por isso, o acompanhamento médico não acaba quando se realiza a cirurgia. Ele deve ser contínuo, o que permite ajustes conforme a evolução clínica.
Cirurgia para endometriose e fertilidade
Existe uma crença de que a cirurgia cura a infertilidade causada pela endometriose. Mas, a relação entre o procedimento e a fertilidade depende de diversos fatores, como idade, reserva ovariana e extensão da doença.
Em alguns casos, a remoção das lesões melhora as chances de gravidez espontânea, enquanto em outros a cirurgia tem impacto limitado.
Por isso, a decisão deve ser individualizada e integrada a um plano reprodutivo bem definido, que pode incluir técnicas de reprodução assistida, quando indicado.
Limites e riscos do procedimento
Mesmo quando é necessária, a cirurgia de endometriose envolve riscos, especialmente em casos de doença profunda.
As possíveis complicações incluem:
Sangramentos
Infecções
Lesões de órgãos adjacentes
Entretanto, esses riscos são menos frequentes quando a cirurgia é realizada em centros especializados e com profissionais experientes.
A escolha de uma equipe experiente e de um serviço com estrutura adequada é um dos fatores mais importantes para reduzir riscos e melhorar os resultados. Informação clara, expectativa realista e acompanhamento contínuo são elementos centrais para que a cirurgia cumpra seu papel dentro do tratamento da endometriose.
Dúvidas comuns sobre o tema
Nem toda mulher com endometriose precisa ser operada. A cirurgia é indicada principalmente quando o tratamento clínico não controla os sintomas ou quando há comprometimento de órgãos como intestino, bexiga ou ureteres. Em muitos casos, o uso contínuo de hormônios e o acompanhamento médico são suficientes para manter a doença sob controle.
A cirurgia pode reduzir de forma significativa a dor, especialmente quando remove lesões profundas ou que afetam órgãos. No entanto, ela não garante ausência total de sintomas no futuro. Como a endometriose é uma doença crônica, pode haver recorrência, o que torna o acompanhamento e o tratamento após a cirurgia fundamentais.
A cirurgia pode melhorar a fertilidade em alguns casos, especialmente quando remove lesões que causam alterações anatômicas. No entanto, seu impacto depende da idade, da reserva ovariana e da extensão da doença. Em determinadas situações, a cirurgia não aumenta as chances de gravidez, sendo indicada associação com reprodução assistida.
Referências ▼
- Seminars in reproductive medicine – Surgical Management of Endometriosis in Patients with Chronic Pelvic Pain
- Clinical obstetrics and gynecology – Surgery and Endometriosis
- Journal Archives of Health – Tratamento clínico e cirúrgico da endometriose: evidências atuais, individualização terapêutica e resultados reprodutivos
